25 de Abril de 2024

OPINIÃO Sexta-feira, 05 de Julho de 2019, 13:35 - A | A

Maria Luiza Canavarros Palma

Neila Barreto

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Dias atrás, o professor Benedito Pedro Dorileo, ex Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, lançou o livro Folhas Evocativas, na Academia Mato-grossense de Letras, em Cuiabá. Durante a cerimônia, no ato da compra, o leitor foi presenteado com mais dois livros:  “Zulmira Canavarros” e “Cholo”. Curiosa que sou, como toda pesquisadora, foi buscar o que significava “Cholo”. Descobri! Encantei! O nome se referia a um cão de estimação do professor Dorileo. Lembranças da sua infância! Belo texto! Linda memória. Quantas recordações! Quantas saudades ali registradas. Quantos ensinamentos Dorileo! Mais adiante, encontrei as “Parlendas” e, nelas as cantigas de rodas.

Com as cantigas de roda foi impossível não lembrar da minha querida professora do Curso de Letras, na UFMT, Marilu Canavarros Palma, carinhosamente chamada assim, por alunos, professores e pessoas mais próximas. Quantas saudades! Fui atrás dos meus velhos arquivos. Eita! Apesar de tantos anos... encontrei alguns e, quero deixar aqui registradas como lembranças e, como caminhos para outros pesquisadores, parte das memórias da professora Marilu.

Nascida Maria Luíza Canavarros Palma, professora doutora do Departamento de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso. Era doutora em linguística pela PUC do Rio de Janeiro (RJ). Filha de Oátomo Canavarros e Irene Borges Canavarros, lá das bandas de Rosário Oeste, minha terra natal. De descendência portuguesa, seu tronco familiar advém de Antônio Gonçalves Gonçalves, nascido em Portugal, em 1580, em província de Trás-os-Montes. Senhor da Quinta de Outeiro da Veiga em Arcossó, casou com Maria Alvares Ferreira. Em Cuiabá, a família Canavarro tornou-se “Canavarros”. O primeiro Canavarros que chegou em Cuiabá foi chamado de Feliph ou Felipe, de cuja ramificação advém Maria Luiza Canavarros Palma.

  

Marilu Canavarros, como era mais conhecida, voltava-se para as suas pesquisas para as linhas da sociolinguística e análise do discurso. Foi a primeira pessoa a fazer um estudo científico sobre o falar cuiabano, lembrou a também doutora e amiga, Maria Inês Pagliarini Cox, professora da UFMT, em matéria publicada no site da própria universidade.

A professora Marilu Canavarros estava fazendo o levantamento das cantigas de roda em Cuiabá. Ela fez a pesquisa, coletou as cantigas e junto a professora Cássia Virgínia, do Departamento de Artes da UFMT se preparava para a gravação de um CD, o que não foi possível concluir, em função do seu falecimento prematuro.

“A Marilu sempre foi muito crítica em relação às desigualdades sociais´´, sublinhou Maria Inês. Para ela, essa era uma característica marcante, de uma pessoa ´´sempre irreverente em relação ao instituído, alegre, brincalhona, mas que sempre rompia as regras institucionais``, conforme ficou registrado em jornais da Capital.

Para Canavarros Palma, uma ligeira referência ao contexto mato-grossense dos últimos (40) anos nos oferece dados para se considerar a perda e o desaparecimento das Cantigas/Brincadeiras mais presentes no dia-a-dia de crianças cuiabanas, há mais de trinta (30) anos, conforme deixou registrado no Jornal A Gazeta, de 25 de novembro de 2001.

Prosseguindo, deixou registrado, também, em suas memórias “ alguns dados históricos que, na opinião dela, esclarecem a respeito da alteração do contexto mato-grossense, onde se situa Cuiabá. A transferência da sede do governo federal para a região Centro Oeste, com a fundação de Brasília, em 1960, é um marco. As atenções do governo federal passaram a se voltar para esta região. Em 1967, como consequência desse olhar para a região Centro Oeste, foi implantado o Sistema de Telecomunicações, oferecendo novos modelos de comportamento social, político, econômico e cultural. A TV se instalou nas nossas salas; ninguém mais se predispôs a sentar-se às portas das ruas, a conversar sobre o dia-a-dia deles mesmos. Muito menos crianças. Não mais queriam montar peças de teatro, repetir, improvisar ou complementar as brincadeiras e cantigas de roda; não mais precisavam distribuir os papéis sociais dentro daquelas organizações. Nada que fosse fora da tela ocuparia espaço em suas novas vidas, uma vez que a série de informações estavam ali, prontas, pré-fabricadas, usando linguagem nova e elaborada a gosto dos telespectadores, à disposição deles, sem precisar se moverem das cadeiras ou sofás”.

Para a professora Marilu Canavarros, “Dois fatores foram preponderantes para o processo desta referida perda: a influência dos meios televisivos e a violência nas ruas de uma capital que começava a ficar descortinada”. Para ela, nesse instante, “ as portas das casas cuiabanas, a partir da década de 70, foram-se “cerrando”, os “trincos e ferrolhos” sendo reforçados para o uso noturno e diurno. Em consequência, as crianças foram, até o final dessa década, definitivamente retiradas das praças públicas, das ruas e, com elas as brincadeiras de roda. Foram elas afastando-se das brincadeiras de “cabra-cega”, dos coretos dos jardins “e, consequentemente, “tirrim/fechou balaio”, dos quais muitos outros lugares que foram demolidos para dar lugar a “modernização”, das cidades brasileiras.  O espaço das crianças ficou invisível em nossa cidade!

Esses espaços antes ocupados pelas crianças deram lugares as “outras crianças”, vítimas da violência, das drogas, frutos das famílias desajustadas, dos velhos desamparados, das mulheres violentadas, dos perigos que rondam as cidades, de uma instrução mais presente, de amparo dos governos nas áreas da educação, formação, artes, e de tantas outras coisas que, hoje a cidade grande proporciona de ruim aos seus pequenos habitantes.

E as crianças que a professora Marilu tanto queria alcançar com as suas cantigas de roda, para onde foram? Estão confinadas em suas casas, em seus condomínios, nos pátios das escolas, nas casas dos avós, nas mãos das babás…, assistindo TV e lidando com a Internet, escondidas da violência das cidades grandes. Será? Nossas crianças!

Mudas, lentas, olhares perdidos, encabuladas, nervosas, apáticas, não brincam mais e não cantam “Fui no tororo/ beber água não achei; Ciranda/cirandinha/ vamos todos cirandar ..., podemos até encontrar algumas acompanhadas dos seus avós praticando isso em diferentes regiões de Mato Grosso, mas não como antes.   

Outra lembrança de Marilu que encontramos em “Cholo”, do menino Benedito Pedro Dorileo   são as cantigas: “Hoje é domingo, pé de cachimbo/; Terezinha de Jesus/ deu a queda foi ao chão?... Quanta riqueza Marilu!  Que doçura a sua memória menino Pedro Dorileo! Como as crianças estão precisando desses estímulos!

As cantigas de roda têm um grande papel para o desenvolvimento cultural e intelectual das crianças, além de transmitir, por meio de brincadeiras, costumes, folclores e crenças da sua cidade, inclusive, explorando o cotidiano, as vivências, as festas, as comidas e outros.

Maria Luiza Canavarros Palma deixou publicado os seguintes livros: ´´Variação fonológica na fala de Mato Grosso: um estudo sociolinguístico``, editada em 1980 pela EdUFMT. Esta foi a sua primeira obra publicada. Produziu também ´´Discurso de Posse dos Imortais (Academia Mato-Grossense de Letras) – EdUFMT – e, teve artigo publicado no livro ´´Vozes Cuiabanas: Estudos Linguísticos em Mato Grosso´´- Cathedral Publicações - organizado pelos professores do Instituto de Linguagens da UFMT, Manoel Mourivaldo Santiago Almeida e Maria Inês Pagliarini Cox. O livro, que é o quinto volume da Coleção Tibanaré de Estudos Mato-Grossenses, coloca, segundo os autores, ´´o dedo na ferida do preconceito e do estigma que macula e desacredita falantes mato-grossenses. ´´

Maria Luiza faleceu em 06 de outubro de 2005 deixando viúvo Pelágio Palma e, os filhos Vinicius Canavarros Palma (dentista), Dários Canavarros Palma (advogado) e Pelágio Palma Filho (dentista) noras e netos e, a sua pesquisa a continuar..., o que será um alento para as crianças, em idade escolar, uma vez que essas cantigas são essenciais para fazer parte do universo dessas crianças e, ao mesmo tempo contribuir para que se tornem crianças mais felizes de um amanhã incerto, por meio de belas cantigas de roda.

 

(*) NEILA BARRETO SOUZA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História e escreve às sextas-feiras para HiperNotícias. E-mail: [email protected] 



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