26 de Abril de 2024

OPINIÃO Segunda-feira, 29 de Julho de 2019, 09:44 - A | A

Vamos lixar essa pele morta?

Eduardo Mahon2

Eduardo Mahon

Costumo concordar com o promotor Roberto Aparecido Turin, o que não é nenhum favor. Turin é um profissional calejado. O promotor, ao representar a associação dos colegas, no mais das vezes faz uma defesa apaixonada, o que é admirável pela lealdade aos pares. Em recente artigo, Turim afirmou que os promotores têm o couro grosso.

Eu concordo integralmente, mas por razões divergentes às do presidente da AMMP. O couro grosso do Parquet e de outras instituições públicas é, de fato, tão espesso que torna os integrantes das corporações bastante insensíveis à realidade e, pior, à crítica. Ao afirmar que a instituição vive na berlinda, Turin vitimiza-se e ao Ministério Público: coitadinhos! Eu mesmo fiquei condoído com o início do artigo, onde o promotor afirma “somos os mais vigiados, cobrados e confrontados pela mídia”.

Será?

Não é verdade, claro. Em 2014, o CNMP divulgou pesquisa onde 70% dos entrevistados consideraram o Ministério Público essencial para a sociedade. Em 2017, foram 82,7% de satisfação, conforme pesquisa do próprio órgão de controle externo, muito embora no mesmo ano a confiança despencou de 50% para 28%, pela amostragem ICJ Brasil. Portanto, a sociedade não pressiona e não desconfia da instituição, muito ao contrário.

Nem tampouco há tanto confronto assim. Pelo que se vê na mídia, a maior parte da exposição pública é positiva, contando com os próprios promotores a dar entrevistas e serem consultados sobre uma pletora interminável de temas relevantes para a sociedade brasileira. Se não fosse assim, não haveria promotores que se elegem na política partidária com base nas cabeças que ceifaram.

 Ao lembrar que os “vigiados, cobrados e confrontados” promotores de justiça levam R$ 30 mil ao mês, alguns cacarecos que se pregam aos vencimentos que, trocando em miúdos, são complementos salariais, além de outras vantagens como licenças, férias de 60 dias ao ano e carro oficial para alguns representantes, deixei de me condoer.

A todo bônus corresponde um ônus. É bom parar com a ladainha de que há muita fiscalização e cobrança. Esse tipo de reclamação não cai bem a um órgão que vive de fiscalizar e cobrar.

O Ministério Público, com a Constituição de 1988, tornou-se o órgão mais polivalente da nossa democracia. Cuida dos interesses coletivos, fiscaliza o poder público, atua como uma espécie de parecerista sobre a legalidade dos procedimentos cíveis e penais, enfim, chupa cana e assovia ao mesmo tempo.

A estrutura do MP ainda é modesta para tanta picaretagem que a instituição enfrenta, sem dúvida alguma. Não há um maciço investimento em inteligência, nem tampouco uma coordenação sofisticada entre os demais órgãos de controle, o que poderia ajudar muito no combate contra a corrupção.

Tudo isso é verdade: que o Ministério Público é formado por gente séria, que o Ministério Público é imprescindível, que o Ministério Público é o protagonista no enfrentamento à corrupção e às mutretas do Poder Executivo e Legislativo. Mas não menos verdade é que, em nome da força institucional, da credibilidade social, da missão constitucional, não são afeitos à crítica e pouco realizam a autocrítica interna.

Vários policiais militares denunciaram o nojento esquema de grampos articulado para carimbar determinados cidadãos: a tropa de choque prontificou-se na defesa.

Secretários denunciaram o esquema de pagamento de cartas de crédito, negociadas na base da triangulação entre empresas e autoridades públicas: o procurador geral bateu na mesa e se esgoelou em defesa da própria instituição.

No caso da arapongagem, o MP deixou de atuar: simples assim. Não emitiu parecer. Onde está o próprio MP para apurar a omissão? Em 2ª instância, o procurador responsável negaceou a colaboração premiada aos policiais que denunciaram o esquema por não haver prova razoável e será esse mesmo procurador a conduzir as investigações contra os colegas.

Declarou em 18 de julho: “Se continuar sendo reproduzidas dia e noite essas afirmações, não há dúvida de que se forma na opinião pública uma imagem negativa do órgão, fazendo-o ficar desacreditado perante à sociedade”. Ora, ora! Será o Coordenador do NACO a descascar o abacaxi de 9 inquéritos contra os colegas. Ele precisa definir se é mais importante se preocupar com a investigação ou com a imagem do Ministério Público.

Ademais, se não há prova alguma, qual a razão de abrirem as investigações? Curiosidade? Esporte? Desencargo de consciência? Ou se trata apenas de manter a aparência de idoneidade que o Ministério Público já tem? Ou é redundância ou é preciso o mínimo de bom senso para perceber que os policiais militares expuseram fatos graves e razoavelmente coerentes.

Portanto, o presidente da AMMP está coberto de razão: os promotores têm o couro grosso. É preocupante.

O “estado democrático de direito” exige dos promotores e dos juízes uma epiderme fina, quase transparente, apta a sentir o que a sociedade pensa e almeja. Estamos num tempo em que privilégios corporativos precisam ser combatidos. Tenho certeza de que, daqui a alguns anos, o Ministério Público vai passar uma boa lixa nessa pele morta, para vestir-se de uma pele mais permeável às críticas e entender que, ao fiscalizar a si mesmo, pode se fortalecer ainda mais.


(*) EDUARDO MAHON é advogado, escritor e membro da Academia Mato-grossense de Letras e escreve para HiperNotícias às sextas. E-mail: [email protected]



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