A IMPRENSA DE CUYABÁ

Segunda-feira, 09 de Outubro de 2023, 19h:10

Arthur de Campos Borges: enfim, o reconhecimento!

art otacilio canavarros

 Otacílio Borges Canavarros

Na sessão plenária da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, ocorrida no dia 24 de maio último, foi aprovada a proposição 2685/2023 de autoria do deputado Wilson Santos, de apoio à proposta de outorga do nome de Arthur de Campos Borges à rodovia BR 163, no trecho de Cuiabá/MT a Santarém/PA.

No dia seguinte a deputada Janaína Riva, na condição de Presidente em exercício, assinou o ofício 4670/2023/GD/SSL dirigido ao deputado federal Fábio Garcia incumbindo-o de elaborar e apresentar na Câmara Federal o projeto de lei outorgando o nome Arthur de Campos Borges à rodovia.

Na aprovação da proposição os deputados basearam-se na rica biografia do homenageado, a qual já havia sido reconhecida pelos membros do centenário Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso com a “Moção de Apoio” datada de 06 de outubro de 2022.

Em sequência outras Moções de Apoio foram concedidas por diversas Câmaras de municípios situados no eixo da referida rodovia. Igualmente, destacadas instituições representativas do setor produtivo do Estado expressaram o reconhecimento do legado de Arthur Borges, aprovando Moções de Apoio à concessão da outorga.

No decorrer deste segundo semestre os deputados federais e senadores – representantes de Mato Grosso no Congresso Nacional -, terão a missão de promover a aprovação do projeto de lei referido, em acatamento ao que foi aprovado pela população mato-grossense. Certamente as novas gerações farão a pergunta: quem foi Arthur de Campos Borges? Nascido em 22 de novembro de 1863 no antigo distrito de Serra Acima, este mais tarde desmembrado de Cuiabá com o nome de Chapada dos Guimarães, Arthur foi o décimo e último filho do casal Antônio Bruno Borges e Umbelina de Campos Borges.

Transferindo-se para a cidade de Rosário Oeste, no início da adolescência em companhia de dois irmãos mais idosos, Arthur Borges foi se tornando um pequeno agricultor e pecuarista, tendo contraído matrimônio no início de 1888 com a senhorita Marianna, filha do fazendeiro Gabriel de Moraes e Souza.

Percebendo a lucrativa atividade de produção/venda da borracha, esta obtida do leite extraído das seringueiras nativas, Arthur Borges e os irmãos Manoel e José tornaram-se seringalistas. Em 1896 Arthur Borges teve a desafiadora idéia de vender a borracha em Santarém, no Pará, a um preço bem elevado.

Arthur Borges com apenas 33 anos de idade comandou a expedição comercial fluvial – de Rosário Oeste à Santarém -, constituída de 34 homens transportando a borracha em barcos de madeira. Navegando pelo rio Cuiabá, de Rosário Oeste até a foz do rio Manso, a expedição subiu a íngreme serra de Nobres sendo a mercadoria e os barcos puxados pelos burros e mulas existentes na região.

Transposta a serra, a equipe navegou no rio Estivado até chegar ao rio Arinos prosseguindo neste até o rio Juruena, seguindo por este até a confluência do rio Teles Pires avançando pelo Rio Tapajós rumo ao destino Santarém.

Vendida toda a borracha em Santarém, Arthur Borges e equipe entraram no Rio Amazonas navegando até a cidade de Maués onde adquiriram o famoso “guaraná de ralar”, este destinado a ser introduzido em Mato Grosso para consumo. Ao despedir dos compradores da borracha na barranca do Rio Tapajós, Arthur Borges afirmou aos presentes: “até o final da minha vida eu irei trabalhar para que uma ligação terrestre seja implantada, ligando as cidades de Cuiabá e Santarém”.

Decorridos oito meses a equipe regressou a Rosário Oeste navegando pelos mesmos rios, todavia desfalcada de 18 homens que perderam a vida no inevitável embate com os índios, as onças, as serpentes e a temível febre amarela.

A viagem dos audaciosos navegadores repercutiu em quase todo o território nacional passando o jovem Arthur Borges a ser referido como Coronel Borges, sendo doravante convidado para todos os eventos e acontecimentos políticos regionais. Arthur Borges, consolidado como um autêntico líder participou das revoluções ocorridas em Mato Grosso nos anos 1901, 1906 e 1916, tendo ele adquirido o hábito de relatar os fatos, suas idéias, projetos e realizações, certamente prevendo a utilidade dos mesmos para as gerações vindouras, documentos que passaram a ser conhecidos como “Cartas do Coronel Borges”.

Prosseguindo no esforço pela ligação de Cuiabá a Santarém Arthur Borges conseguiu a concessão, dada pelo Governo do Estado no ano 1910, para ele construir os primeiros quilômetros da almejada estrada o que foi feito no trecho entre a barranca do rio Cuiabá (atualmente início da Avenida da FEB) até o córrego Pari, em Várzea Grande.

Para a construção Arthur Borges importou um caminhão suíço marca Orion sendo as quatro rodas de ferro. Naquele início de século Arthur Borges construiu a sede dos seus negócios na fazenda Campina, um forno destinado à produção de cal oriunda da pedra calcária bem ainda uma fábrica para a produção de açúcar tendo para esse fim importado os equipamentos necessários.

Arthur Borges expandiu as atividades criando uma nova empresa em sociedade, denominada Lucas e Borges e Cia destinada ao beneficiamento da borracha, instalando-a na barranca do Rio Verde em plena Amazônia, localidade onde atualmente encontra-se a moderna e progressista cidade Lucas do Rio Verde. Insistente defensor junto às autoridades constituídas, da construção de uma escola em Rosário Oeste, Arthur Borges conseguiu a edificação do belo Grupo Escolar Presidente Marques.

Na inauguração, ocorrida no dia 01 de agosto de 1912, dentre muitas autoridades presentes ao evento, Arthur Borges foi o escolhido para presidir a solenidade quando proferiu um precioso discurso saudando os jovens estudantes.

Arthur Borges tendo conquistado o respeito e a admiração dos seus contemporâneos, prosseguia atuando em várias frentes de trabalho externando os seus argumentos em defesa da construção da estrada Cuiabá/Santarém.

Paralelamente, Arthur Borges na condição de chefe de família não descuidava da formação do caráter dos seus filhos – sete mulheres e dois homens -, encaminhando-os nos estudos e nas atividades produtivas. Todavia, com o decorrer do tempo Arthur Borges decepcionou-se com a maioria das lideranças políticas devido à desatenção das mesmas aos graves problemas existentes no interior do país.

Assíduo leitor no período noturno em Rosário Oeste e habituado a escrever cartas e telegramas destinados às autoridades, Arthur Borges redigiu o documento “UM ALVITRE À NAÇÃO”, denunciando os graves problemas regionais e apontando as possíveis soluções. Externando sempre arrojadas propostas, no dia 7 de setembro de 1922 quando da comemoração do centenário da Independência do Brasil, Arthur Borges promoveu uma concorrida reunião em Rosário Oeste para divulgar o Estatuto e o Programa de Governo de um novo partido político por ele criado, denominado PRN – Partido Regenerador Nacional.

No estatuto do partido constavam duas novidades: o direito das mulheres a votar e a limitação à reeleição de políticos aos diversos cargos. No ano 1926, por ocasião da passagem dos ex-militares integrantes da “Coluna Prestes” pela região de Alto Paraguai, Arthur Borges assumiu o comando da resistência que se instalou em Rosário Oeste no sentido de impedir a chegada dos chamados “revoltosos” na hipótese deles descerem a serra, o que felizmente não aconteceu graças a uma estratégia adotada por Arthur Borges, levando os integrantes da Coluna a desistirem da referida descida.

Em reiterados esforços para a construção da estrada Cuiabá/Santarém, Arthur Borges escrevia às autoridades sugerindo também um programa de ocupação do centro oeste e Amazônia por meio de construção de pontes, estradas e a fixação de famílias com a devida infraestrutura. Insistia na necessidade da presença de estudantes de medicina, odontologia e enfermagem, no período de férias escolares em sistema de revezamento, no interior da Amazônia prestando serviços de atendimento à saúde. Arthur Borges dizia: os futuros dirigentes do país precisam conhecer a Amazônia e defendê-la.

No ano de 1937 Arthur Borges elaborou o documento “Mensagem aos políticos do Poder Legislativo de Mato Grosso”, cobrando dos parlamentares a solução dos problemas no interior do Estado. Ciente da visita do Presidente Vargas a Cuiabá, Arthur Borges solicitou uma audiência tendo elaborado dois mapas idênticos mostrando o trajeto da futura rodovia Cuiabá/Santarém, sendo um entregue ao presidente em Cuiabá no dia 7 de agosto de 1941, no decorrer do diálogo de 20 minutos de duração. Duas outras propostas foram entregues ao Presidente: o programa de ocupação do centro oeste e a Amazônia e o programa de atendimento à saúde por meio dos estudantes universitários.

Estando em Cuiabá para a audiência, Arthur Borges concedeu uma entrevista ao jornal da cidade “O Operário”, quando a ele foi feita a seguinte pergunta: se prefeito de Cuiabá quais as suas principais providências para a nossa capital? Arthur Borges assim respondeu: “elaborar o projeto para a construção de uma larga avenida ligando o sul da cidade (região do Coxipó) com o norte (região do Ribeirão da Ponte); elaborar os projetos de canalização do riacho (córrego Prainha) e da construção de duas avenidas nas laterais do mesmo, já prevendo para o futuro uma terceira avenida elevada. Arthur Borges sugeriu ainda que estudos técnicos fossem feitos para a futura construção de um canal desviando parte das águas do Rio Paranatinga para uma das nascentes do Rio Cuiabá, valendo-se da força da gravidade.

Regressando ao seu lar em Rosário Oeste, Arthur Borges afirmou aos familiares: “conclui a minha missão nesta vida terrena no momento em que entreguei nas mãos do Presidente da República os três projetos propondo a ocupação e o desenvolvimento de duas enormes regiões do meu país”. Arthur Borges sempre no clarear o dia montava o seu cavalo dirigindo-se até a sua fazenda Campina – sede dos seus negócios comerciais -, regressando sempre no final da tarde. Na noite de 14 de setembro de 1943, faltando poucos dias para completar 80 anos, Arthur Borges faleceu depois de passar a sentir fortes dores no peito quando do seu regresso à cidade, levando-o a ficar em repouso por quatro dias. Os restos mortais de Arthur Borges permanecem em seu túmulo no cemitério de Rosário Oeste, sendo frequentemente visitado.

As “Cartas do Coronel Borges” foram cuidadosamente guardadas pelo filho engenheiro agrônomo Sebastião de Campos Borges até o ano 1979 quando este veio a falecer na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, em 1991, por iniciativa dos netos, as “Cartas” foram expostas ao público sob a forma de um livro com o título “Resgate Histórico”, custeado pela CNI – Confederação Nacional da Indústria com o apoio da FIEMT, cujos 2.000 exemplares foram distribuídos em Mato Grosso e para muitas pessoas residentes em outros estados. Recentemente, no ano de 2020, os netos e os bisnetos custearam outra edição do livro, esta acrescida de novas revelações da biografia do saudoso líder.

Dentre as três propostas entregues ao Presidente Getúlio Vargas, este no governo democrático (1951 até 24 de agosto de 1954) lançou o programa “A Marcha para o Oeste” criando a Fundação Brasil Central para a execução do programa. Posteriormente os governos militares – a partir de abril de 1964 -, lançaram o Programa conhecido como “Projeto Rondon”, o qual possibilitou no período das férias escolares a presença de estudantes universitários na floresta amazônica. Finalmente o governo militar do Presidente Garrastazu Médici construiu a rodovia Cuiabá/Santarém nos primeiros anos da década de setenta.

A movimentada rodovia Cuiabá/Santarém, embora ainda não duplicada até o presente momento, é a mais importante dentre as demais existentes na Amazônia e uma das principais do Brasil. Às margens dela surgiram cidades modernas de porte médio acolhendo brasileiros oriundos de todas as partes do país. Grandes grupos empresariais lá estão instalados sendo responsáveis pela monumental produção de alimentos diversos, abastecendo a população brasileira e uma significativa parcela da população mundial.

OBRIGADO Arthur de Campos Borges “in memoriam”! Os seus esforços, as suas visionárias idéias e propostas e, principalmente a sua inigualável determinação/persistência, com certeza em muito contribuíram para despertar nas autoridades governamentais a imperiosa necessidade da conquista da Amazônia pelos e para os irmãos brasileiros. A minissérie “Arthur Borges – a trajetória de um líder”, a ser exibida nas televisões mundiais, está sendo objeto de entendimentos para a sua concretização.

Cuiabá, 27 de setembro de 2023 – 80 anos do falecimento de Arthur Borges.

Otacílio Borges Canavarros – neto de Arthur Borges, ex-presidente fundador