Neila Barreto
A Hidráulica da água foi erguida às margens do rio Cuiabá, no bairro do Porto, na capital mato-grossense. Até hoje parte da sua edificação se encontra no local, próximo ao Museu do Rio Hid Alfredo Scaff. O relatório do Presidente de Província, Francisco Raphael de Mello Rego, em Cuiabá, em 20 de outubro de 1888, informa que conforme Lei n. º 735, de 03 de março de 1887 foi promulgado em 19 de junho desse ano regulamento para o funcionamento da Hidráulica que no período funcionava regularmente, tendo como diretor o engenheiro da província.
O alemão Karl von den Steinen avalia assim a conquista da água doce potável pelos cuiabanos: Uma grande aquisição dos últimos tempos é o encanamento de água, pois o modesto regato “córrego Prainha”, não satisfaz nem de longe às necessidades (...). À época quem comanda o serviço de abastecimento da cidade era a Câmara Municipal de Cuiabá.
Em 1893 o Código de Posturas da câmara municipal da cidade de Cuiabá regulamentou a atividade de aguadeiros: É vedado aos carroceiros tirarem água dos Chafarizes e caixa d’água da cidade; só o poderão fazer nos logradouros públicos que a câmara designar. O infrator será multado em 10 mil réis. O vasilhame empregado na venda ou depósito de líquido deverá conservar-se sempre limpo e nunca será de metal que possa prejudicar a saúde. O infrator será multado em 10 mil réis. É bom lembrar que essa água era distribuída, vendida sem tratamento. Era água bruta retirada os rios.
Após o funcionamento do sistema de abastecimento público de água doce potável implantado na cidade, o Presidente do Estado, Dr. Manoel José Murtinho, através da Resolução n. º 114 de 23 de junho de 1895 determinou que esse serviço ficasse sob a responsabilidade da direção do diretor da repartição das obras públicas, terras, minas e colonização do Estado e, sob a fiscalização do engenheiro do Estado. Nessa mesma resolução, o governo determina que a água doce potável seja distribuída à população nunca inferior a quatro horas por dia, sendo duas pela manhã e duas à tarde. Desde o nascedouro a administração do serviço de água já era um verdadeiro empurra-empurra. Igual aos dias atuais. Ora é o Estado, ora é o município, ora é privado. E tudo continua da mesma forma. Sempre o problema da falta de água na cidade. Era sempre a água servindo de manobras para uso político e de exercício de poder.
Assim, em 1901 de acordo com relatório de obras públicas, a Hidráulica passou a contar com uma nova bomba a vapor sob o comando do engenheiro Jacques Malkwalder. Ao mesmo tempo, foi assinado em 17 de março um contrato entre a Hidráulica e os senhores Jorge Reiners & Wenzds, a fim de que fossem efetuados os concertos da máquina velha, limpeza das caldeiras, cujos reparos foram concluídos em setembro de 1.900, ao custo de R$4:000$000. Essa bomba de água se encontra como monumento tombado no pátio das estações de tratamento de água das avenidas São Sebastião e Presidente Marques, no bairro Quilombo, na capital.
Nesse relatório, também, é solicitada providência para a troca da bomba a vapor para melhoria do abastecimento de água doce potável dos bairros da Boa Morte e Lava-pés, bem como, a instalação de Hidrômetros volumétricos, ou medidores de água para conter o consumo da população, que além de utilizar a água para as necessidades das suas casas ainda, a utiliza para irrigação de capins e outras plantações. Hoje, a população ainda não aprendeu, continua lavando calçadas, asfalto e desperdiçando água tratada.
A instalação dos medidores também serviria para controlar o consumo d‘água e, ao mesmo tempo, poderia regularizar o fornecimento de água dos bairros que não estavam sendo atendidos. A medida do possível, a Diretoria de Água foi substituindo os canos velhos por outros de maior capacidade, a fim de se evitar o desperdício da água e melhorar o abastecimento dos bairros que ficavam localizados na parte alta da cidade, como era o caso do bairro Lava-pés, no alto da Boa Morte.
À época, os mais prejudicados, em relação ao abastecimento de água doce potável eram os moradores da rua Couto Magalhães, atual Avenida D. Aquino em função do encanamento responsável pelo suprimento da água, passar pela baixada que ficava entre o Largo do Ipiranga e a estação do Bonde, hoje Praça Ipiranga, avenida D. Bosco e ruas afins. Como no percurso existiam muitas penas d‘água, devido ao excesso de desperdício a estação dos Bondes e o Asilo Santa Rita, ficavam privados do líquido indispensável para a vida e a manutenção da higiene. Para resolver o problema, o relatório sugere a instalação de um novo encanamento, passando pela Travessa da Independência, Beco da Estação, atual Avenida D. Bosco, ponderando que existiam naquele ano, 579 penas d‘água, onde 422 estavam funcionando e 157 fechadas. Imagine essa demanda hoje!
Nesse período a Hidráulica do Porto, convivendo com as próprias dificuldades técnicas da época, às margens do rio Cuiabá, também se constituía na primeira Casa de Força, a qual era movida a lenha advinda da região, muitas vezes por meio fluvial, fornecidas pelo Bel. Amarílio Calhao e, depois, do senhor Athanagildo Barreto, morador da Barra do Pari, em Cuiabá.
Com o sistema público de abastecimento de água doce potável implantado na cidade, o Presidente do Estado, Cel. Antônio Pedro Alves de Barros, através do Decreto n. º 141 de 03 de janeiro de 1903 reorganiza a Repartição de Obras Públicas do governo, incluindo na responsabilidade dela, o serviço de abastecimento de água.
Cada pena d‘água, por residência custava mensalmente 6 mil réis e só poderia ter no máximo seis milímetros de diâmetro interno o qual correspondia ao 2/8 de polegada, porém, nos bairros localizados na parte alta da cidade e nas extremidades dos encanamentos poderiam ter um centímetro de diâmetro, no caso de mais de 50 metros. Estavam isentos de pagamentos de penas de água, as repartições públicas estaduais, municipais e as casas alugadas para escolas ou repartições públicas. Atualmente, essa prática é impossível na cidade, em função dos custos com energia elétrica e produtos químicos.
No entanto, a Hidráulica apesar das suas regras e organização não dava conta dos problemas causados tanto pela falta d‘água na cidade como os desperdícios e os entupimentos das redes distribuidoras de água. Pressionados pela população com a falta d‘água na cidade, os responsáveis pelas obras públicas em 1904, referendaram em 1904 os pedidos constantes do relatório da Hidráulica, inclusive informando que àquela repartição estava de posse de um catálogo recebido por intermédio da casa dos senhores Kuvorvel & Foster, de Londres onde os hidrômetros denominados “Sfandard” para o uso de controle das perdas de água doce, custava duas libras sterlinas pelos diâmetros que convinham as penas de água. Observe que a água não é prioridade das políticas públicas de governo. É sempre a população que tem que pressionar políticos e poderes para conseguir os objetivos. Até hoje é assim.
Nesse momento, também, há a implantação da canalização da água da rua Couto Magalhães, atual Avenida D. Aquino e a extensão de um ramal desse encanamento para o Beco Quente, atual Comandante Baldoino, no bairro do Porto, além da solicitação para que a Presidência autorizasse a importação da Europa dos “canos mestres” de água, a fim de que pudesse implantar novas derivações de ramais de água para outros bairros da cidade, proporcionando uma melhoria na distribuição de água. No Brasil ainda não existiam esses equipamentos hidráulicos.
Outra melhoria feita na cidade de Cuiabá antes de 1912, foi a colocação de 14 Fontes Públicas, chamadas de “Borne Fontaine”, que eram pequenas bicas cilíndricas de ferro, instaladas simultaneamente ao primeiro sistema público de abastecimento de água doce potável inaugurado em 1882. Essas bicas também, eram conhecidas na cidade como “Boca de Leão”. Eu até que tentei, mas não encontrei nenhuma para colocar no Museu do Morro da Caixa d´Água Velha. Mas anos depois foram suprimidas da cidade, em função da ampliação de penas de água doce, num total de 800 ligações para vários bairros da cidade. As bicas do tipo “Borne Fontaine” foram distribuídas ao longo da Rua Barão de Melgaço, nos cruzamentos das Travessas Voluntários da Pátria, da Justiça, atual Travessa Dr. Francisco Ferreira Mendes, Costa Campos, atual Rua Thogo da Silva Pereira, no Largo do Arsenal de Guerra, atual Praça Benjamim Constant, nas ruas da Caridade, atual Rua Miranda Reis e Ricardo Franco, Ponte do Rosário, soterrada pelo tempo, Largo da Boa Morte, atual rua Cândido Mariano, Largo da Mandioca, atual Praça Conde de Azambuja e rua Marechal Deodoro.
Esses mananciais de água doce potável eram sempre encontros de serviçais e molecagem, dava pano para manga a muita desordem e pizeiros danados, na disputa pela água: (...) não faltava gente que aí ficava de pé, mão no queijo, à espera dos acontecimentos. (...). Uma vendinha que fornecia cachaça para esquentar a turma do tutano, quase sempre tudo terminava em quebra pau, donde a polícia acabava pegando o pessoal pela munheca, como testemunha a poeta e musicista Dunga Rodrigues.
(*) NEILA BARRETO é jornalista, historiadora, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e membro da AML