Gonçalo Antunes de Barros Neto
Acordar, levantar, caminhar e trabalhar. A vida nessa quadra ordinária parece mais ordinária que estratagema de pecador. Não se tem, como se Sísifo fosse, qualquer sentido em direção a algo que, realmente, valha a pena, algo que alivia a dor do marasmo, da ordinariedade.
A quem se reserva a alegria das coisas desejáveis, mas pouco alcançáveis? A magia de um aceno, de um bom bate-papo, da roda de conversa ou mesmo a ambição do amanhã concretizado? Nada, absolutamente nada, substituirá a mesmice, infelizmente. Coisas extraordinárias são para os momentos singulares, nem sempre vividos, nem pelo terço da totalidade.
De coração na ponta do pé, caminhando por um sentido que não se sabe a dimensão e nem a densidade. Nem mesmo a esperança de acreditar num êxito em encontrá-lo. Talvez alguém diga – mas a vida é assim mesma-. Isso..., mas quão incrédulo é acertar na metáfora dos sentidos buscando os olhos da natureza das coisas. Não, ela é por demais indiferente para o brinde da epopeia do caminhante que se joga à mercê de um piscar de olhadela.
Não é fácil abençoar-se do gênio maligno cartesiano que, do miserável, faz recomeçar sem a cultura e valores arraigados. Que peça a natureza prega aos vivaldinos! Letrados na arte de aniquilar-se por um punhado de devassidão.
Se é porque pensa, então, se é porque pensou errado. Pensou antes do pesadelo da existência, não mais a partir dela. Não é imanência. A essência é maior que a realidade concreta vivida, pois a percepção de um pensante não o resume pela prática e sentidos, mas por algo ainda maior, que engloba a descarga do que deixou de viver.
Que sentido teria de acordar, vestir-se e trabalhar? Voltar após o intrépido suor que escorreu por sobre os ombros? Tudo por segundos de felicidade buscada nos efêmeros acontecimentos de minutos. Eternizá-los deixa de ser obrigação, mas próprio das boas lembranças, que delas se espera voltar num ciclo de absurda repetição. Se houver repetição. É disso que se trata, uma busca por algo que talvez nem exista, e o que sobra é a migalha da desilusão.
A glória será sempre o instante da loucura, o ápice. O “day after” dará chance à rotina. Ainda há os que se inquietam pela virtude diante da indiferença, tralhado numa toada de incredulidade.
Ser eternamente uma criança pode ganhar o céu, não a sobrevivência diante do mundo. Mas quem idealizou a criatura, o mundo e a vida eterna? E, ainda, impôs o absurdo da ingenuidade como símbolo de perfeição? O paradoxal não pode vingar-se diante da necessidade por uma solução justificada, já que os humildes e puros herdarão o reino dos céus.
Cobaias humanas de um dilúvio de bem-aventuranças. O sucesso das religiões não é por acaso. É proposital para acalmar o desespero e segurar a rebelião. Todos que da pureza fizeram causa, morreram antes da misericórdia. A transcendência lhes serviu de inspiração antes mesmo de qualquer experiência pós-heroísmo.
As coisas absolutizadas pela fé são apropriadas pelos dogmas. Ter ao menos um e professá-lo passou a ser sinônimo de evolução, conformação e felicidade. Hoje, até de poder: poderoso é aquele que faz do Estado refém dos dízimos.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é da Academia Mato-Grossense de Letras e da Academia Mato-Grossense de Magistrados. Graduado em Filosofia e mestre em Sociologia pela UFMT.