A IMPRENSA DE CUYABÁ

Segunda-feira, 06 de Janeiro de 2025, 10h:02

A Alma da Língua em Sua Terra Natal

Gonçalo Neto

goncalo antunes

 Gonçalo Neto

Estar em Maceió, cidade banhada pela brisa do Atlântico, é sentir o eco de vozes que moldaram o Brasil. Entre elas, destaca-se a de Aurélio Buarque de Holanda, o homem que, com paciência e vigor intelectual, reuniu as palavras como quem colhe frutos raros em uma terra fértil. Sua obra é mais do que um dicionário; é uma janela aberta para o pensamento, para a poesia e para o sentimento de um país.

Nascido em 3 de maio de 1910, em Passo de Camaragibe, no interior de Alagoas, Aurélio cresceu cercado pelo som das palavras que se entrelaçavam nas conversas de sua gente. Essas palavras, tão vivas e tão cheias de significado, seriam, mais tarde, a matéria-prima de sua obra monumental. Visitar o Museu Aurélio Buarque de Holanda, aqui em Maceió, é percorrer não apenas a biografia de um erudito, mas também o itinerário de um país que encontra na língua sua identidade mais profunda.

Aurélio não era apenas um lexicógrafo. Ele era um poeta das definições, um intérprete dos mistérios que habitam as palavras. Para ele, o dicionário não era uma simples lista de significados; era um monumento vivo ao espírito humano. Sua obra mais célebre, o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, publicado pela primeira vez em 1975, tornou-se referência essencial para gerações de falantes e estudiosos.

Cada verbete parece carregar algo mais do que o sentido literal. É como se Aurélio colocasse, entre as linhas, as camadas culturais, históricas e emocionais que fazem da língua algo muito além de um instrumento de comunicação. Suas definições são pontes entre o passado e o presente, entre a tradição e a modernidade.

Alagoas não foi apenas o berço físico de Aurélio, mas também sua escola. Passo de Camaragibe, bem junto a São Miguel dos Milagres, com sua simplicidade, deu ao jovem Aurélio a sensibilidade necessária para perceber a riqueza que existe nas expressões cotidianas. O mar de Maceió, por outro lado, talvez tenha inspirado nele o desejo de explorar a profundidade e a vastidão da língua portuguesa.

Aurélio compreendia que a língua é uma construção humana, viva, sujeita às transformações do tempo e da cultura. Ele defendia, portanto, que a lexicografia deveria captar essa vitalidade, incorporando os regionalismos e as gírias, mas também respeitando o rigor acadêmico.

Essa visão humanista o diferenciou de outros estudiosos. Ele não via a língua como algo estático ou elitista, mas como um organismo em constante movimento, que reflete as tensões e belezas da vida humana.

Ao visitar o Museu Aurélio Buarque de Holanda em Maceió, como fizemos a Rosana e eu, é inevitável sentir a presença do homem por trás das páginas. Suas máquinas de escrever, suas anotações e os livros que o cercavam contam a história de alguém que dedicou a vida a um projeto que vai muito além de qualquer definição.

Aurélio nos ensina que o domínio da palavra é também o domínio do pensamento. Aquele que sabe nomear as coisas compreende o mundo de maneira mais profunda, mais poética e mais verdadeira.

Aqui, onde o vento carrega ecos de Palmares (Zumbi) e os coqueirais balançam como testemunhas do tempo, Aurélio vive. Vive nas palavras que escolhemos para descrever o mundo, nos verbos que conjugamos para contar nossas histórias, nos substantivos que usamos para dar nome ao que nos é mais caro.

Que o exemplo de Aurélio continue a nos inspirar a olhar para a língua não como um conjunto de regras, mas como um universo de possibilidades, como um espelho que reflete o melhor e o mais profundo do ser humano. Afinal, como ele próprio nos mostrou, cada palavra tem sua alma — basta saber encontrá-la.

(*) GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO foi eleito para o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – IHGMT.