15 de Janeiro de 2025

CIDADES Segunda-feira, 29 de Agosto de 2022, 09:25 - A | A

TONELADAS DE LIXO

"População virou as costas para o rio Cuiabá; não quer saber"

Diretor da Teoria Verde, Jean Peliciari alertou sobre a quantidade de entulho que desce para o Pantanal

Vitória Gomes - Midia News

publicitario jean

 

Um dos ambientalistas mais ativos da Capital, o publicitário Jean Peliciari lamenta que a população tenha virado as costas para o Rio Cuiabá.

 O rio, que é uma marca da Capital, se transformou hoje em um dos locais que mais recebem lixo urbano. Segundo Jean, o Cuiabá foi esquecido e nem os próprios cuiabanos têm coragem de visitá-lo.

 "A população virou as costas para o rio. Semana passada uma pessoa que veio visitar falou: "Gostaria de passear no Rio Cuiabá, não tem turismo?". E eu respondi que infelizmente não temos", afirma Peliciari, fundador da Teoria Verde, uma start up que alia educação ambiental, empreendedorismo e ações de limpeza.

 "Nem visitam mais, não sabem como o rio está. Isso é muito por não ter esse cuidado com o rio, em não ter um turismo para visitação ou uma limpeza", acrescentou.

 Na entrevista o ambientalista ainda comentou sobre as ações de coleta em Cuiabá e o perigo da poluição que chega ao Pantanal, um dos maiores biomas do Brasil. Jean também deu crédito aos jovens que, segundo ele, são os que mais entendem a mensagem de sustentabilidade e resíduos limpos.

 Confira a entrevista na íntegra:

 MidiaNews- Como surgiu a ideia de se criar a Teoria Verde?

 Jean Peliciari - Muitas pessoas nos confundem como ong, mas somos uma empresa do setor dois e meio, somos uma startup.

 Começamos mobilizando pessoas para limpar. Mobilizando a população no geral para olhar o lixo jogado no chão e chamar atenção para esse problema, porque o lixo jogado no chão das cidades, aqui na nossa região principalmente, com as chuvas seguem para o rio e descem para o Pantanal.

 Então, desde 2015, quando começamos a mobilizar, de lá até hoje, foram 140 ações de limpeza. Mais de 20 mil pessoas participaram das ações aqui na região, mais de 400 toneladas de lixo nós impedimos que fossem para o rio e chegassem ao Pantanal.

 No entanto, somos apartidários e totalmente voltados para a população mesmo. O foco é na população, para entendimento de que ela também é responsável pelo lixo que ela gera.

 A gente vem questionando esses hábitos que nós temos e ao mesmo tempo questionando com a iniciativa pública, por que a gente não tem a oportunidade de fazer uma coleta seletiva e encaminhar da forma correta? Porque hoje Cuiabá não tem. Falam que tem em condomínios, mas a grande massa não tem a oportunidade do encaminhamento correto dos seus resíduos.

 MidiaNews - O senhor já disse que Cuiabá é a única Capital que tem lixão. A que se deve isso?

 Jean Peliciari - Nós temos esse título, infelizmente. Isso não foi eu que falei, foi em um Pers (Plano Estadual de Resíduos Sólidos), que apontou Cuiabá como a única Capital que os resíduos são levados para um lixão. E qual a diferença de um lixão e um aterro? No lixão, o lixo todo é misturado, comida com embalagem e tudo que a gente gera. É levado para um local e depositado em um terreno sem nenhuma proteção no solo.

 E qual é o impacto disso? O chorume contamina o solo e chega ao lençol freático. Estamos aqui ainda contaminando nossas águas subterrâneas. Outro impacto do lixão é que libera gás metano, então Cuiabá também é responsável por uma parcela do aquecimento global.

 Já o aterro tem uma camada impermeável. Então o lixo não é colocado diretamente no solo. Ele tem uma camada onde não infiltra e logo depois vem com uma camada de terra cobrindo isso. É o melhor dos mundos? Não.

 MidiaNews - O que mais te impressionou nestas ações de recolhimento de lixo em Cuiabá?

 Jean Peliciari - Muita gente fala que a gente enxuga gelo, porque, por exemplo, no Morro da Luz a gente já fez sete ações e não resolve. A gente sabe que não resolve, chamamos atenção, cutucamos o problema. Quem sabe se com essas ações a gente não consegue despertar o interesse e conseguir ações para mudar.

 O que mais me impressiona também é a quantidade de lixo que desce para o Pantanal. Se a gente tirou 40 toneladas em 140 ações, imagina o que já desceu. Dos corixos ali a gente já saiu com toneladas, mas a grande maioria do lixo é submerso. Então as baías estão todas cheias de lixo no fundo.

 Acho que o que mais me impressiona é saber que o lixo que está lá no meio do Pantanal a gente não vai conseguir tirar. E esses resíduos levam centenas de anos e vão ficar eternamente cada vez mais contaminando o Pantanal.

 MidiaNews - O Rio Cuiabá ainda é um grande depositório de lixo. O que falta fazer para ao menos reduzirmos a sujeira?

 Jean Peliciari - A população virou as costas para o rio. Semana passada uma pessoa que veio visitar falou: "Gostaria de passear no Rio Cuiabá, não tem turismo?". E eu respondi que infelizmente não temos. Então, é nesse ponto que você visualiza que a cidade virou as costas. O rio está lá, a gente está aqui e as pessoas não querem nem saber.

 Nem visitam mais, não sabem como o rio está. Isso é muito por não ter esse cuidado com o rio, em não ter um turismo para visitação ou uma limpeza. Porque se o rio passa no perímetro urbano da cidade é nossa responsabilidade mantê-lo limpo. A gente não vê esse cuidado da nossa Capital com o rio que passa pelo perímetro urbano. Passou na área urbana, o problema é nosso.

 A população precisa ir lá olhar para ver se ela realmente vai ser tocada pelos impactos que a cidade está ocasionando.

 Nós precisamos de leis e multa para quem joga lixo no chão, mas do que adianta uma lei se não tem fiscalização? É lei por lei. O adulto, acho que não é mais tocado por impactos ambientais, então tem que doer no bolso.

MidiaNews - Vocês têm um programa de palestras nas escolas. Acha que falta mais educação ambiental em Mato Grosso?

 Jean Peliciari - A gente fala muito sobre isso com as crianças. Temos um grito de guerra, que é: “Lixo no chão, não”. Então, isso dá uma contagiada e a gente mostra os impactos do lixo no meio ambiente. Animais comendo lixo e morrendo por causa dele... A gente toca as crianças nesse sentido, esperando que essa geração tenha hábitos diferentes quando crescerem, porque mudar o adulto é muito mais difícil.

 Nós precisamos de leis e multa para quem joga lixo no chão. Mas do que adianta uma lei se não tem fiscalização? É lei por lei. O adulto, acho que não é mais tocado por impactos ambientais, então tem que doer no bolso. Para grande maioria das pessoas se tocarem desse problema, precisa doer no bolso.

 MidiaNews - Os filhos são mais conscientes da questão ambiental do que eram os pais?

 Jean Peliciari - Sinto em todos esses anos de palestra que as crianças estão, sim, muito mais sensíveis com questões ambientais. E a gente fala para elas levarem para casa. "Chega em casa e se ver pai ou amiguinho jogando lixo no chão, faz o grito de guerra".

 As professores nos dão o feedback falando que está dando certo, que a gente está conseguindo tocar o coraçãozinho deles e eles são nossos fiscais mirins.

 MidiaNews - Vocês têm um programa de entrega voluntária de eletrônicos. Eles são o grande risco para o meio ambiente?

 Jean Peliciari - O lixo eletrônico não pode ser descartado no comum. Ele tem vários materiais contaminantes e muitas pessoas desconhecem isso. Fizemos uma parceria com uma empresa chamada Ecodescarte, junto com o Hospital do Câncer e da Carvalina Transportes e desenvolvemos essa campanha chamada Local de Coleta Voluntária de Eletrônicos, onde a gente arrecada lixos eletrônicos e converte isso em dinheiro ao Hospital do Câncer. Já foram R$ 190 mil doados por causa do lixo eletrônico.

 Essa é uma campanha que a gente mostra para a população também que lixo não existe, que pode virar dinheiro e ajudar a cidade. A gente desenvolveu também, por coincidência, a campanha “Levo”, que significa Local de Entrega Voluntária de Óleo. Nós estamos em cinco cidades nesta campanha. Em Cuiabá são dezenove escolas e em Várzea Grande são treze.

 MidiaNews - Como vê os planos de governo apresentados pelos candidatos em Mato Grosso? Considera que o tema recebe o tratamento que merece?

 Jean Peliciari - É um tema bem delicado. O que a gente vê, não só em Mato Grosso, mas no Brasil, é que cada cidade quer desenvolver a sua metodologia. Cada uma quer resolver o mesmo problema com criatividade e não olha para onde está dando certo.

 Temos cidades como Curitiba, Florianópolis, Lucas do Rio Verde, Sorriso, pequenas cidades que estão conseguindo desviar os seus lixos, recicláveis, de lixões e aterros. Estão conseguindo educar sua população para ela entender que faz parte do problema e encaminhar os seus resíduos.

 Então, basicamente não são pessoas qualificadas nas secretarias que são responsáveis pela gestão dos resíduos sólidos de uma cidade. Normalmente são indicações políticas, não são técnicos, e precisamos de pessoas mais técnicas ocupando esses cargos. E um outro problema é cada um querendo fazer o seu, querendo inventar moda, sem olhar para as cidades que já fazem e estão dando certo. A gente sente isso acontecendo muito no Brasil.

 MidiaNews - Quais são os bons exemplos de Mato Grosso?

 Jean Peliciari - Lucas do Rio Verde, que tem coleta coletiva, já faz a segregação, educação ambiental. Temos projetos de compostagem acontecendo em Nova Mutum e Sorriso.

 Sinto em todos esses anos de palestra que as crianças estão, sim, muito mais sensíveis com questões ambientais. E a gente tem como meta e fala para elas levarem para casa
Aqui em Cuiabá temos um grande exemplo chamado de agricultura bioativa, que é uma iniciativa de compostagem em grande escala. O que acontece hoje? Se a Prefeitura de Cuiabá falar que vai coletar resíduos orgânicos, restos de comida da população e não vai levar para o lixão. Essa empresa consegue absorver todo o resto de alimento da cidade para fazer virar adubo.

 Está ai, as cidades que quiserem fazer, podem. Porque muitas falam que levam para o lixão porque não tem alternativa, mas nós já temos alternativas, então não fazem porque não querem.

 Tangará da Serra é um exemplo de cooperativas que estão dando certo, é uma cidade que tem algumas em operação, o Município incentiva e são centenas de cooperados que estão vivendo da reciclagem. Diferente de Cuiabá, que são quatro cooperativas, alguns cooperados e agora que a Prefeitura começou a dar incentivo, mas ainda está patinando para saber que rumo vai dar para essas cooperativas.

 O que a gente analisa é que pequenas cidades são mais fáceis para fazer essa educação ambiental, coleta seletiva e não ter lixão.

 Então é isso, tem projetos acontecendo em cidades pequenas como Lucas do Rio Verde, Tanagará da Serra, Sorriso, Sinop também. E quando a gente vem para a Capital é tudo muito doido, a coisa é emperrada... Quando vai para frente começa uma nova gestão e a gente já não sabe que caminho tomar.

 MidiaNews - Vocês criaram os ecopontos Lixo Zero. Pode explicar o que são?

 Jean Peliciari - Essa é a grande novidade da Teoria Verde. No final do ano passado a gente implementou um ecoponto experimental no Comper do Jardim Itália, onde cada resíduo arrecadado vai para um caminho diferente e volta para projetos das cidades.

 Fizemos esse projeto com trinta dias e conseguimos mais de R$ 5 mil e aí a gente percebeu que era algo que poderia ser ampliado. Aí, juntamente com a Águas Lebrinha e com uma empresa de logística reversa, que fez com que a gente tivesse três ecopontos instalados na cidade.

 Estamos com o ponto no Comper do Jardim Itália, um no Comper da Avenida do CPA e um em frente a Federação das Industrias do Estado de Mato Grosso, também na Avenida do CPA. Local forte que dá uma grande credibilidade para o projeto.

 A ideia é incentivar as pessoas a separarem em casa, sair uma vez a cada 15 dias de casa, e é possível fazer isso, porque quando começa a separar você vê que não fede, não dá bicho. E quem está na região consegue levar e esse reciclável vira dinheiro e volta para a cidade.

 Ano passado foi experimental e voltamos há três meses. Conseguimos R$ 16 mil. Ou seja, lixo não existe, lixo é dinheiro, gera emprego. A Prefeitura topou a ideia e vai abrir mais 12 ecopontos em parceria com as cooperativas, nós adoramos a ideia e estamos incentivando isso, porque não queremos virar os reis do ecoponto, não, a gente precisa de vários projetos ao mesmo tempo acontecendo na cidade com o mesmo objetivo, desvio de lixão. Diminuir o impacto no meio ambiente.

 Em setembro o primeiro ecoponto será instalado em Várzea Grande, próximo ao shopping.

 MidiaNews - Vocês dão consultoria para empresas que queiram se enquadrar no conceito Lixo Zero. Há uma boa adesão das empresas em Cuiabá?

 Jean Peliciari – Eu sou embaixador Lixo Zero em Cuiabá e consultor, nós temos várias empresas hoje em Cuiabá, temos a Louvada, Rock, Amor e Pizza, o Sebrae que estão também passando por consultoria, onde a gente entra dentro da empresa, identifica sua geração de resíduos, sua gestão de resíduos e tentamos conectá-los com quem busca , com quem pega cada tipo de resíduo.

 Quando a gente consegue diminuir a geração dos resíduos e encaminhar 90% do que ele gera, eles recebem um certificado de Lixo Zero. Nós estamos buscando para essas instituições a certificação de Lixo Zero, que dá mais credibilidade para empresa, está sendo uma das certificações mais bem vistas no Brasil.

 Nós somos novos aqui em Cuiabá, tem cinco anos que estamos falando de Lixo Zero. Florianópolis a mais de 15 anos já vem com esse conceito. Eles têm a meta de ser Florianópolis Lixo Zero em 2030, Cuiabá ainda nem se fala nisso. Nós começamos a plantar essa sementinha e agora que a gente viu que a semente já está brotando.

 Nós já temos pessoas entendendo conceito, empresas procurando a gente para falar da certificação, então começamos de um movimento de limpeza, fomos para as palestras em escolas, depois conhecemos o Instituto Lixo Zero Brasil, que deu essa virada no movimento.

 

 

 



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