Quando ainda guri, nos idos de 1960, jogava futebol em um campinho improvisado no quintal do sêo Júlio Müller. Nessa época ele tinha um frigorífico que trazia peixes de couro (cachara, pintado e jaú) diretamente de Barão de Melgaço, congelava e distribuía para todo o país. A concorrência aumentou muito e ele, já com idade avançada, acabou saindo do ramo. Em qualquer restaurante no país em que se pedia peixe de rio e era indagado de onde vinham, logo era informado: Mato Grosso.
Barão vivia o auge do seu progresso. Abertura de agências bancárias, frigoríficos, pousadas, restaurantes e acampamentos de pescadores do Brasil todo, atraídos pela fartura de peixes. O dinheiro corria solto na Cidade.
Passei a frequentar a região a partir de 1977 e a pesca era sempre proveitosa. Com poucas horas de anzol, estávamos de volta à nossa casa na Baía de Chacororé com peixe suficiente para o almoço e o jantar. Nunca transportei um exemplar sequer para a cidade.
Com o passar dos anos essa fartura se transformou em miséria, refletida em sua população, que basicamente passou a viver de subsídios dos governos, como Bolsa Família e outros auxílios. O salário concedido durante o período de defeso aos pescadores profissionais foi mais uma dessas esmolas mal administradas. O pior de tudo é que continuaram pescando e, ainda mais crítico, fazendo uso de instrumentos predatórios durante esse período, apesar do dinheiro recebido em contrapartida para que parassem a atividade e a natureza cuidasse de repovoar o rio.
Na Baía de Chacororé, chegou-se a usar redes de mais de 1.500 m de extensão e, como se isso já não fosse suficientemente danoso, foi destruída a barragem que mantinha minimamente o seu nível, no intuito de concentrar os peixes em uma pequena porção de água que, no período de seca, chegava a ter cerca de dez mil hectares. Hoje, pelo menos 50% do que já foi água é ocupado por pastagem e gado.
E, pasmem, esse peixe não dava entrada nos restaurantes locais, que por diversas vezes, teve de oferecer “galinha com arroz” aos turistas, pois os predadores eram obrigados a enviar o peixe pego de maneira criminosa para Cuiabá pelos famosos “atravessadores”.
A pá de cal na fartura que era essa região se deteriorou ainda mais com o fechamento dos corixos, construção de diques marginais artificiais e estradas diques. A implantação de tablados e cevas foi o que faltava para matar de vez a piscosidade do Rio Cuiabá, uma vez que da cidade de Santo Antônio de Leverger a Barão de Melgaço, perto de 1.500 desses equipamentos ainda estão operando, jogando no rio toneladas de milho e soja podres, fazendo do peixe presa fácil (incluindo aí exemplares abaixo da medida mínima estabelecida).
Essa prática impediu o ciclo natural do peixe, que é sair “gordo” do Pantanal no período da vazante e subi-lo queimando gordura e desenvolvendo o aparelho reprodutivo, produzindo suas ovas, que nas primeiras chuvas descem o rio. Com as fêmeas lançando as ovas e os machos o esperma, a reprodução estaria garantida, perpetuando e transformando o Rio Cuiabá, que naquele tempo já foi um dos mais piscosos do Brasil, apesar de estar em uma área muito populosa.
O Pantanal é pródigo para a reprodução dos peixes. No entanto, apesar da sua natureza abundante, está sendo retirado do rio mais do que ele é capaz de repor. Isso torna essa pausa fundamental para a sua recomposição, desde que as obras criminosas também sejam banidas, como o fechamento de corixos e a construção de tablados e cevas.
O resultado desse descaso com as questões ambientais e a procura por um meio de vida mais digno, fez a população de Barão de Melgaço, em 12 anos, DECRESCER 8,89%. O mais sério ainda, é que dentre os 141 municípios cuja população no total cresceu mais de 20% - e com ela a riqueza - a renda per capita do município de Barão de Melgaço é a mais baixa do Estado: R$201,00.
Triste fim para um município agraciado pela natureza, pelo Rio Cuiabá e suas baías esplendorosas, como a do Recreio, do Buritizal, Chacororé e Siá Mariana.
Tenho certeza que serei contestado pelos “arautos do conhecimento”, pelos pessimistas e pelos falsos defensores ambientais: “Mas e o esgoto?”, “E o lixo?”. Esses pontos eu, como especialista na área, esclareço desde já. Análises feitas no Rio Cuiabá, na altura da ponte JK, mostram que o oxigênio dissolvido está na faixa de 6 mg/l, muito maior do que em diversos pontos do Pantanal por causas naturais. Já o lixo, esse nos preocupa, pois agride a beleza cênica dessa inigualável região, apesar de não ter o poder de interferir na renovação e manutenção dos cardumes.
Finalizo dando parabéns ao Governo de Mato Grosso e aos Deputados Estaduais que aprovaram essa Lei. Àqueles que a rejeitaram, por desconhecimento ou por interesses outros, o meu total desprezo.
Tenho convicção pessoal e científica de que, a restrição da matança e do transporte de peixes por esse período de 5 anos trará não só vida nova ao rio, mas novas oportunidades de emprego e renda à população de Barão de Melgaço, escravizada há anos pela pesca predatória e, em pouco tempo, daremos boas vindas à bela Barão de Melgaço de outrora.
(*) RUBEM MAURO PALMA DE MOURA é Engenheiro Civil pela UnB, especialista em Hidráulica e Saneamento pela USP e Mestre em Ambiente e Desenvolvimento Regional pela UFMT, além de pantaneiro que vive e conhece de perto as particularidades da região há pelo menos 60 anos.