12 de Julho de 2024

OPINIÃO Sexta-feira, 06 de Setembro de 2019, 14:42 - A | A

Bernardina Maria Elvira Rich

Neila Barreto

Neila colorida dedo na mão

Neila Barreto - Divulgação

Uma professora e intelectual negra em Cuiabá, na primeira república que nasceu em Cuiabá em 10 de março de 1872, filha de Constança Maria Jarcem, quitandeira e pai não declarado. Sua história de vida foi marcada por estereótipos os quais, foram por ela superados, à medida que conquistou “lugares”, em geral, não ocupados por mulheres, especialmente por mulheres negras. Viveu numa sociedade de transição do século XIX para o XX e, por mais difícil que pudesse ter sido mulher, negra e de poucas posses, não permitiu que isso fosse motivo para deixá-la no anonimato, falecida em 1942 conforme deixou documentado pela historiadora Nailza da Costa Barbosa Gomes, nos anais do VII congresso internacional de pesquisa Biograpg.

No ano da abolição da escravatura no Brasil (1888) ela já pleiteava uma vaga de professora primária em concurso, uma vez que, mesmo ainda muito jovem com apenas dezesseis anos, já possuía o título de normalista. Neste concurso, concorria com apenas uma candidata branca. Após os trâmites do processo, incluindo provas escritas, prova oral e vários documentos a serem entregues, entre eles uma declaração de conduta moral, para ela, expedida pelo delegado de polícia e, para sua concorrente pelo presbítero da cidade.

Percebe-se que a procedência profissional de quem fornecera a declaração de conduta moral foi bem distinta. Para uma o presbítero e para a outra o delegado. De fato, eram homens que ocupavam posições de autoridade na sociedade, porém, tinham funções bem diferentes: um é representante espiritual/religioso e o outro é responsável pela segurança e ordem pública, também registrados nos trabalhos da historiadora.

  

Para o atestado de saúde, a declaração da concorrente branca foi concedida constando que “gozava de boa saúde, não sofrendo moléstia alguma de natureza contagiosa”. No atestado de saúde da candidata negra, o médico Atestou que, “D. Bernardina Maria Elvira Rich não sofria de moléstia alguma, era bem desenvolvida e havia sido vacinada”. As procedências das declarações, por si, já indicam parâmetros diferentes para atestar a saúde das candidatas, parecendo ser importante para um ser vacinado, enquanto que para a outra aparentar aspecto saudável já era o suficiente, registrou Barbosa Gomes.

Ao final, ambas foram consideradas aptas para o cargo, mas, a candidata branca foi indicada para assumir a vaga. Vale destacar neste caso, que nada impossibilitou Bernardina Rich de pleitear a vaga, visto que, igualmente a sua concorrente, possuía todas as condições necessárias para tal. No entanto, testada a sua capacidade intelectual, concluiu-se que causara certa estranheza ver uma pessoa de cor e ainda muito jovem, com um preparo além das expectativas, especialmente dado o período em questão.

Para Florestan Fernandes [...] Onde os direitos e os deveres sociais se objetivassem em conexão com a condição racial das pessoas, estas não só deveriam “conhecer o seu lugar”; mas, ainda, saber mostrar-se à altura dele, agindo e vivendo de acordo com as conveniências, as obrigações ou as imposições dele decorrentes [...] A cor servia como ferrete, que identificava o “preto” e, atrás dele, aquela parte da “gentinha” procedente do eito e da senzala – ou seja, da subordinação infamante e sem limites do estado servil, registrado em publicação de 1978.

Isso não a fez desistir, pelo contrário, lutou pelos seus direitos e, em 1890 tomou posse como professora primária do estado de Mato Grosso. Bernardina Rich vivenciou o processo da “feminização” do magistério em Cuiabá, na Primeira República. Com o intuito de ajudar a formar o “cidadão moderno”, ela se pôs à frente de vários projetos em favor das condições

Segundo o Relatório da Instrução Pública de 9 de outubro de 1899, o Governo determinou que a professora fosse removida, da Escola Elementar do sexo masculino da capital, para a Escola Elementar do sexo feminino da Vila de Nioac (MS). Com este ato encontramos mais uma das facetas do racismo? Bernardina se recusou a acatar a decisão pela remoção e permaneceu na cidade de Cuiabá. Há registros que em 1913, existia um colégio particular, chamado 8 de dezembro, dirigido pela professora Bernardina Rich, contando com 112 alunos matriculados e 108 alunos frequentes, na data de 15 de março de 1913. Os documentos encontrados com referência a esse estabelecimento e sua diretora têm como marco cronológico final o ano de 1920. Já em 1921, seu nome aparece exercendo essa mesma função, nos registros referentes à outra escola, a Quarta Escola Isolada do sexo masculino.

Fez de sua casa, também um lugar de instrução, um espaço artístico e cultural promovendo saraus dançantes e literários, tocava piano, violão e violino. Pelo recenseamento do ano de 1890, conta-se que em sua casa residiam dezenove pessoas, entre elas estavam a sua mãe, um irmão chamado Joaquim Rich e os demais eram todos agregados, variando em idades que iam desde a primeira infância até idosos, conforme estudos da historiadora Maria Adenir Peraro.

A filantropia era sua atividade diária, fazia parte da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição ligada à Igreja Católica. Por muitos anos esteve à frente da Liga que prestava assistência aos Lázaros, uma Instituição criada com o objetivo de ajudar aos hansenianos na época chamados de leprosos, pessoas condenadas à morte, porque para a medicina esta doença era altamente contagiosa e incurável. Encaminhava os doentes ao Hospital São João dos Lázaros em Cuiabá e lá prestava toda assistência até mesmo como “enfermeira” zelando pela higiene, fazendo curativos, e alimentando os enfermos. A Liga engajou-se ao programa da Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, conforme registrou a professora Yasmin Nadaf.

Utilizando-se de seu prestígio e com elevada dedicação conseguia fazer muito pelos seus. Era convidada a participar dos eventos envolvendo a alta sociedade local. Sua presença era bastante requisitada como madrinha de casamentos. Embora nunca tivesse se casado e nem tivesse filhos biológicos.

No ano de 1916, juntamente com um grupo de jovens normalistas e algumas senhoras simpatizantes do feminismo, Bernardina Rich colaborou com a criação de uma agremiação, na qual as mulheres puderam expor suas ideias e registrar suas histórias. A entidade foi fundada em 26 de novembro daquele ano, recebendo o nome de Grêmio Literário “Júlia Lopes de Almeida” do qual foi tesoureira e na gestão seguinte vice-presidente. Foi o primeiro órgão criado no estado de Mato Grosso, cujos objetivos previstos em seu Estatuto eram a emancipação das mulheres mato-grossenses, além de redatora da própria revista violeta.

Também foi uma das fundadoras do Clube Feminino de Cuiabá, espaço de entretenimento, mas, principalmente de manifestações culturais dirigido e representado pelas mulheres onde Nadaf registra que [...] o Clube Feminino integrou a mulher à vida pública, proporcionando-lhe um espaço para desenvolver, [...] o exercício da sociabilização, fato que contribuiu largamente para que se rompesse as barreiras do espaço privado restrito ao lar”, cujo espaço hoje, poderia ter essa mesma função, num mundo tão carente de qualificação para mulheres acometidas por violências domésticas, entre outros.

Bernardina, em 1934 solicitou a Bertha Lutz, fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, sediada no Rio de Janeiro que instalasse em Cuiabá uma filial dessa Federação. E atendendo ao pedido, Bertha Lutz no mesmo ano fundou a Federação Mato-grossense pelo Progresso Feminino. A Federação Brasileira batalhou muito em prol dos direitos das mulheres e conseguiram importantíssimas vitórias como, por exemplo, o direito ao voto. Aqui em Mato Grosso foi Bernardina Rich a primeira Presidente da filial desta Federação.

Presidente: Bernardina Rich; 1ª. Vice-Presidente: Adelina Ponce de Arruda; 2ª. Vice-Presidente: Maria Dimpina Lobo Duarte; 3ª. Vice-Presidente: Maria de Arruda Müller; 1ª. Secretária: Célia Nunes de Barros; 2ª. Secretária: Elza Bodsttein; Secretária de Sócias: Maria Alzira Alderett; Tesoureira: Maria Mansur Bumlai.

Como Presidente, representava o interesse das mulheres de Cuiabá e de todo estado junto à Federação Nacional. Durante esta empreitada foi responsável pelo alistamento eleitoral das primeiras mulheres a votarem no estado de Mato Grosso. Atendia aos pedidos de muitas mulheres que moravam no interior e precisavam de auxílio dos mais diversos, inclusive, relacionados aos direitos trabalhistas. Estabeleceu relação direta com os grandes centros do país e procurava sempre manter-se informada solicitando que os boletins da Federação Brasileira não tardassem para chegar e que fossem enviados do Rio de Janeiro para Mato Grosso de avião. Assim que os recebia, reunia-se com as associadas e, juntas deliberavam as ações, inclusive a maioria delas registradas na revista A Violeta para que a população tomasse conhecimento. Esteve à frente da Federação por oito anos até a sua morte em 19 de julho de 1942.

 

(*)NEILA MARIA SOUZA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História e escreve às sextas-feiras para HiperNotícias.  



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Leila Maria Assumpção de Almeida 19/11/2022

Parabéns, pela reportagem onde conta a história da Bernardina Rich, mulhe forrte, empoderada, muito além do seu tempo e sempre será inspiração e orgulho para todos. Tive o privilégio de estudar em uma Escola com seu nome. Ela faz parte da minha história!

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