22 de Outubro de 2024

OPINIÃO Segunda-feira, 09 de Outubro de 2023, 19:15 - A | A

Mulheres e águas

neila vestido azul

 Neila Barreto

As lavadeiras eram mulheres que lavavam roupas em suas próprias casas, de domicilio em domicilio ou, às margens dos rios, córregos, nascentes, poços, cisternas e ribeirões ou ainda, nos fundos dos quintais das casas cuiabanas, constituindo-se em trabalho árduo, pesado e exposto diretamente ao sol.

Eram corpos que também sustentavam pesados tachos de cobres repletos de roupas, a exemplo das lavadeiras Mina, Siá Joaninha, Nhá Germana, Shá Maria, Ana Luíza, Maria Taquara entre outras, hoje eternizada em praça da cidade de Cuiabá, com o seu gesto habitual, esculpida em bronze pelo artista plástico cuiabano Haroldo Civis Tenuta.

Nessas condições, distinguimos nos quintais enormes das casas, muitas negras-Minas, resmungando, lavando e pondo a corar as roupas.

Joana era o nome de uma delas. Falava e ralhava com a sombra, alvejando a roupa no coradouro de pedras. Batia a roupa na laje e quarava, batia e quarava.... Utilizava-se somente de sabão e anil. Morava para os lados da Lixeira ou Baú.

Hoje seus restos mortais jazem, em cova rasa, no Cemitério da Piedade.

Pelas bandas do Cai – Cai, antigo cemitério da cidade de Cuiabá, hoje bairro residencial aparecia Siá Joaninha. No bairro quarta-feira, hoje Alvorada, Nhá Germana, Shá Maria do Fim do Mês e Maria Taquara eram outras lavadeiras.

Essas lavadeiras eram descritas assim por Cora Coralina: (...) bate roupa em pedra bem. Canta porque canta e é triste. Porque canta porque existe; Por isso é alegre também. Ora se eu alguma vez pudesse fazer nos versos. O que a essa roupa ela fez, Eu perderia talvez. Os meus destinos diversos. Há uma grande unidade Em, sem pensar nem razão, E até cantando a metade, Bater roupa em realidade... Quem me lava o coração?

Hoje muita coisa mudou.

As roupas são lavadas por máquinas apropriadas ou por lavanderias espalhadas pelas cidades, onde o espaço privado sofreu inúmeras transformações.

Agora cabe a essas mulheres, uma busca equilibrada entre esses espaços público e privado em benefício da sua felicidade pois, a passagem do século XX para o XXI parece marcar uma ruptura na história da invisibilidade das mulheres. Só lhes falta uma participação maior na política. No mais, caminhamos para um pós-feminismo no qual a idéia de cuidar, de combinar, de associar, de mixagem tornou-se um valor fundamental, ético e universal, pois homens e mulheres não podem viver uns sem os outros.

(*) NEILA BARRETO é jornalista, historiadora, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e membro da AML



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