15 de Janeiro de 2025

OPINIÃO Sexta-feira, 27 de Maio de 2022, 16:39 - A | A

Tufika: um senhor além do seu tempo

neila barreto

Neila Barreto

Jorge Amado, em seu texto denominado “O Imigrante” disse que os sírios e os libaneses vieram (...) “Das montanhas da Síria e do Líbano onde eles desceram com seu agudo perfil, sua capacidade de trabalho e de sonho, sua ânsia de viver, sua áspera coragem. Atravessaram o mar oceano e desembarcaram no Brasil. No dia seguinte todos eles eram brasileiros, brasileiros dos mais autênticos, dos mais característicos, Nacionalíssimos. Em nossa democracia racial - nossa contribuição à cultura Universal, ao humanismo – o sangue árabe desempenha um papel da maior Importância”. Assim aconteceu com esses imigrantes sírios que alcançaram Mato Grosso e Cuiabá.

Dentre eles Miguel Jorge Ahy. Natural da Síria. Chegou em Cuiabá em 1900. Veio casado com Jamila Ahy. Fugido da guerra. Começou a trabalhar em Cuiabá-MT como mascate. Montou um armazém no bairro do Porto, em frente ao Sesc Arsenal, chamado Armazém Tufika.

Miguel e Jamila tiveram os seguintes filhos: Jorge Miguel Ahy (Tufika), veio pequeno com os pais para Cuiabá; Maria Ahy de Figueiredo (Dona Nenê); Antônio Miguel Ahy (Tote), foi lanterninha no cine teatro Cuiabá e servidor da Imprensa Oficial de Mato Grosso; Rosa Ahy de Lima; Nicola Ahy; Júlia Ahy (professora particular e do Colégio Senador Azeredo); Benedito Miguel Ahy e Luís Miguel Ahy (Lulu), que elaborou as primeiras peças de teatro no Liceu Cuiabano. Era um exímio dramaturgo e diretor de teatro. Lulu escreveu e dirigiu algumas peças de teatro que foram encenadas em alguns locais da cidade, tais como no salão paroquial da igreja São Gonçalo, no bairro Porto, na capital, informou Vanilse Cardoso.

Na capital destacou-se o comportamento de Jorge Miguel Ahy, o qual ficou conhecido nas memórias dos cuiabanos como (Tufika), nascido em 07 de fevereiro de 1907 e falecido em 28 de outubro de 1982. Em Cuiabá casou-se com Francisca Ahy e tiveram os filhos Mercês, Fernando, Neuza, a qual vive no Paraná e João Miguel Ahi.

Quando o memorialista Francisco das Chagas mencionou o nome de Tufika nas páginas do grupo Cuiabá de antigamente, memórias reprimidas no universo coletivo se afloraram e se transformaram em testemunhos sobre a vida desse sírio libanês que, de próspero comerciante, escolheu, assim como São Francisco de Assis, tornar-se um pedinte na capital mato-grossense.

Registramos aqui a memória de Tufika por meio desses testemunhos. Foi um dos primeiros pedintes da capital. Esse comportamento de Tufika incomodou a colônia síria na capital. Fizeram várias reuniões para tentar remover dele a ideia de se tornar livre e pedinte. Não conseguiram. Tufika escolheu as ruas e avenidas da cidade verde para lhe servir de morada. Seu teto era o céu azul e as noites estreladas. Seus banhos eram nas águas limpas dos córregos e riachos.

Escolheu o Cine Teatro Cuiabá, sua paixão de jovem, seu ponto preferido na Avenida Presidente Vargas como um porto seguro. Ali ele podia expor e explicitar os seus pensamentos para aqueles que tinham a paciência em ouvir. Era uma aula, uma performance a céu aberto. Livre, sorria e teatralizava. Quanta sabedoria alí armazenada. Um homem além do seu tempo!

Talvez naquela Cuiabá antiga muitos não entendiam o seu comportamento. Um pedinte inofensivo, alto, magro, polido, portador de boas maneiras e boas conversas, bem-humorado e leitor assíduo dos jornais da época. Mas ele também ficava na esquina da Lojas Riachuelo, no centro da cidade.

À época em que os comerciantes sírios e libaneses predominavam no quadrilátero do no centro de Cuiabá, entre a Avenida Ponce de Arruda e a Avenida Presidente Vargas, ofereceram ao Tufika, um salário para que ele deixasse a rua. Tufika rejeitou. Ele não precisava de dinheiro. Ele queria a liberdade. Sua vida à moda um hippie cuiabano falou mais alto. Preferiu a sua liberdade. Viver com o vento. Dormir com as estrelas. Apreciar as cores do céu. Viver intensamente.

Jose Alberto Villanova Affi informa que Tufika passava em frente da sua residência na rua 13 de Junho, sempre trajando um pijama e levava um saco nas costas, no início dos anos de 1960.

Para Vanilse Cardoso que conhece os filhos de Tufika, informa que a “ Mercês e o prof. Fernando, um matemático formado pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, são meus vizinhos e vivem na mesma casa onde o pai viveu até os seus últimos dias”, no bairro do Porto. O mais velho, João Miguel Ahi é General do Exército da Reserva e professor universitário e psicólogo na cidade de São Paulo-SP. Quantos filhos inteligentes Tufika gerou!
Eu, jovem ainda, moradora da Rua 24 de Outubro, em Cuiabá, lembro de Tufika com a sua longa barba prateada, meio azulada, um saco pendurado nas costas, um par de precatas envelhecidas e gastas, com uma lata na mão a tilintar as moedas ao longo da rua. Em outra mão uma espécie de cajado para afugentar os cachorros que o incomodava. Passos comedidos seguia o seu caminho.

A poetisa Lúcia Palma informa que, “eu tinha de 12 a 13 anos naquela época, conheci Tufika pois era amiga de Mercês, sua filha. Lembra que conheceu também, dona Júlia, irmã do Luís Miguel Ahy (Lulu), casado com dona Joana Ahy, o qual criou um grupo de teatro do qual ela participava, denominado Associação Teatral São Luiz, no bairro do Porto, na capital.

Na capital, Tufika deixa as seguintes ramificações familiares: Paes de Barros; Figueiredo; Rabelo; Ahy; Figueiredo Maciel Costa; Lima; Cesar Costa; Faria; Matos; Fanaia Teixeira; Thomem Lobo; Alencar de Figueiredo; Vieira de Souza de Figueiredo; Figueiredo Lorenzetti; Figueiredo Rabel; Evangelista Rabel, conforme consta do livro Gente que fez, gente que faz – Inventário de famílias pioneiras cuiabanas.

 (*) NEILA BARRETO é Jornalista. Mestre em História. Membro da AML e atual presidente do IHGMT.

 Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site  www.aimprensadecuiaba.com.br  



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