Cuiabá, uma das cidades mais quentes do Brasil, viu muitos de seus córregos desaparecerem sob o asfalto e o concreto ao longo das últimas décadas. O crescimento urbano desordenado e a canalização de corpos d’água transformaram o que antes eram fontes de vida em estruturas subterrâneas invisíveis — até que enchentes, calor e poluição revelem sua ausência.
Segundo o projeto Água Para o Futuro, do Ministério Público de Mato Grosso (MPE), a capital possui 28 córregos e 269 nascentes. A maioria deles enfrenta degradação, canalizações mal planejadas e descarte irregular de lixo e esgoto.
O desaparecimento dos córregos em Cuiabá, resultado de décadas de canalizações e obras de urbanização sem planejamento ambiental, tem contribuído diretamente para o aumento de alagamentos na capital.
Ao perder suas áreas naturais de drenagem, a cidade ficou com menos solo permeável e menos cursos d’água para absorver o volume das chuvas, especialmente no período úmido. O resultado são enchentes frequentes, principalmente em regiões centrais e asfaltadas, onde os córregos foram soterrados ou desviados.
Fundada às margens do Córrego da Prainha, Cuiabá – que completou 306 anos nessa terça-feira (8) – teve sua história ligada às águas. O próprio nome da cidade remete a esse vínculo com a natureza. No entanto, o desenvolvimento urbano apagou parte dessa identidade.
E em mais de três décadas de fundação da capital mato-grossense, muitas transformações ocorreram. Entre elas, a perda do título de cidade verde.
Entre os cursos d’água mais impactados estão os córregos Prainha, Barbado, 8 de Abril e Quintal Grande – este último, totalmente canalizado, passa pela região da Avenida Mato Grosso.
Muitos desses córregos, como o da Prainha, na qual nas margens deste a cidade foi fundada, correm debaixo das principais vias da cidade.

No entanto, a Prainha enfrenta sérios problemas ambientais, incluindo o despejo irregular de lixo e esgoto, além da canalização ocorrida na região central por volta da década de 1960, conforme registros históricos.
“A ideia foi de que precisava melhorar a mobilidade urbana de Cuiabá no Centro, que a canalização seria uma alternativa viável e segura”, explicou o historiador Suelme Fernandes à reportagem do Primeira Página.

Conforme um estudo no Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), entre os córregos mais modificados está o córrego Barbado que percorre uma média de 9.500 metros de extensão.
O processo de modificação do Córrego do Barbado ganhou mais intensidade com a construção do Centro Político Administrativo (CPA), em 1970, e a instalação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em 1972.
Ainda conforme o historiador Suelme Fernandes, na região da avenida Mato Grosso, existe o córrego do Quintal Grande que também está completamente canalizado.
“Esse era um dos córregos mais antigos de Cuiabá aonde foi se constituindo a área urbana. Não tinha coleta de lixo naquela época e era normal jogar o lixo dentro dos córregos. Isso causava mau odor”, explicou.
O que antes eram cursos d’água vibrante, essenciais para o ecossistema local, foram transformados, alguns, em condutos subterrâneos. Muitos invisíveis aos olhos da população, mas que mostra sua existência com enchentes frequentes na Capital.
Alguns córregos já não existem mais, como o Cruz das Almas, que também cortava a região central.
“É obvio que os impactos ambientais são imensuráveis. Vivemos numa cidade do século XXI, mas com um sistema de drenagem de esgoto que utiliza os córregos como espaço de captação. Isso é um retrocesso”, afirmou Suelme Fernandes.

O que o sumiço das águas provoca?
O desaparecimento dos córregos não é apenas uma questão estética. A falta de áreas permeáveis contribui para o aumento das enchentes, já que a água da chuva não encontra mais seu caminho natural.
A qualidade da água do rio Cuiabá é comprometida pelo descarte irregular de lixo nos córregos afluentes, que carregam esses resíduos para o rio.
Além disso, contribui para o forte calor na cidade. Cuiabá é conhecida e romantizada como a capital mais calorosa do Brasil. Apesar do apelido carinhoso, a situação de calor extremo registrada, principalmente no período de estiagem, entre julho e outubro, é provocada pela falta de arborização e córregos.
O que pode ser feito?
Especialistas defendem a necessidade de um plano que leve em conta a importância dos córregos para a cidade. A revitalização de alguns trechos, com a criação de parques, são estratégias de preservação dos córregos.
Em 2025, Cuiabá passou ser comandada por uma nova gestão, a do prefeito eleito Abilio Brunini (PL).
No plano de governo, Abilio propôs:
- recuperar e preservar os corpos d’água da cidade;
- implementar projetos de recuperação de rios e nascentes urbanas;
- realizar limpezas periódicas em rios, córregos e nascentes;
- reurbanizar córregos e monitorar a qualidade da água.
Entretanto, até o momento, apenas limpezas de trechos de alguns córregos foram realizados pela gestão, como no próprio córrego do Barbado, quando 340 toneladas de lixo foram retirados.