O desejo e a necessidade são dois conceitos fundamentais para compreender a experiência humana. Enquanto a necessidade está ancorada em exigências básicas e objetivas, como a sobrevivência física e as condições mínimas para a existência, o desejo transcende a mera funcionalidade, habitando o reino das aspirações, dos sonhos e das subjetividades. Essas duas forças, embora distintas, estão entrelaçadas em um complexo jogo de interações que molda a cultura, economia, filosofia e psicologia.
A necessidade é o que mantém os indivíduos vivos. Comer, beber, respirar, dormir. Essas são demandas inegociáveis impostas pela condição biológica. O filósofo Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, argumenta que as necessidades básicas orientam grande parte do comportamento humano. Ele vê a busca pela segurança e pelo bem-estar físico como motores essenciais da criação do contrato social. Sem o atendimento das necessidades, a vida seria, segundo ele, “solitária, pobre, sórdida, brutal e curta”.
Do ponto de vista econômico, Karl Marx introduz a ideia de que a satisfação das necessidades materiais é a base para toda atividade humana. Em sua análise do capitalismo, Marx distingue entre necessidades reais e aquelas criadas pelo sistema, mostrando como o consumo passa a ser moldado por desejos que mascaram necessidades artificiais, como a busca incessante por bens supérfluos.
Contudo, é preciso reconhecer que as necessidades humanas não se limitam ao plano biológico. Abraham Maslow, em sua hierarquia de necessidades, destaca que, após a satisfação das necessidades fisiológicas e de segurança, emergem demandas mais complexas, como a necessidade de amor, pertencimento e autorrealização. Aqui, a linha entre necessidade e desejo começa a se confundir.
Se a necessidade é aquilo que sustenta, o desejo é o que impulsiona. É no desejo que a humanidade se distingue do reino puramente natural. Jacques Lacan, em sua releitura da psicanálise freudiana, afirma que o desejo é sempre uma busca por algo além do que já possui — um anseio por preencher uma lacuna que nunca se completa. Para Lacan, o desejo não se refere necessariamente a objetos concretos, mas a um sentimento de falta que define a todos enquanto sujeitos.
Nietzsche, por sua vez, interpreta o desejo como uma manifestação da “vontade de poder”, o impulso criativo que leva as pessoas a transcenderem as limitações e moldar o mundo conforme as aspirações. Para ele, o desejo não é um problema a ser resolvido, mas uma força vital que conecta à essência da existência.
No entanto, o desejo também é terreno fértil para a insatisfação. Jean-Paul Sartre destaca que, ao desejar algo, projeta-se uma versão idealizada de si; mas, ao alcançá-la, rapidamente se vê consumido por novo desejo. Isso cria um ciclo contínuo de insatisfação, em que o desejo, em vez de trazer plenitude, revela a condição de seres perpetuamente inacabados.
O conflito entre desejo e necessidade é evidente em diversos aspectos da vida contemporânea. No plano individual, enfrenta-se dilemas diários entre o que se precisa e o que se quer. A publicidade, por exemplo, explora esse conflito ao transformar desejos em necessidades percebidas, fazendo o consumidor acreditar que precisa de coisas que, na verdade, apenas satisfazem aspirações momentâneas.
No plano social, a tensão entre desejo e necessidade é ainda mais acentuada. Enquanto milhões lutam por necessidades básicas, como comida e água, outros buscam atender desejos supérfluos, exacerbando as desigualdades globais. Esse paradoxo evidencia não apenas a injustiça estrutural do mundo, mas também como o desejo, embora poderoso, pode ser manipulado para sustentar sistemas de opressão.
Assim, a dialética entre desejo e necessidade aponta para o equilíbrio, para a eudaimonia aristotélica de uma vida virtuosa.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito.