Interceptações telefônicas no celular do empresário Willian Aparecido da Costa Pereira, o ‘Gordão’, feitas no bojo da 'Operação Ragnatela', conduzida pela Força Integrada de Combate ao Crime Organizado de Mato Grosso (FICCO/MT), revelaram um esquema de pagamento de propina para transferir presos da Penitenciária Central do Estado (PCE) para o antigo presídio do Carumbé.
Entre os beneficiados está o tesoureiro do Comando Vermelho, Paulo Witer Farias Paello, o 'WT', que estava preso à época dos fatos. Os valores, que atingem a cifra de R$ 100 mil, deveriam ser pagos ao ex-secretário de Segurança Pública, Alexandre Bustamante, no estacionamento do supermercado Big Lar (veja prints ao final da matéria).
A ação criminosa era intermediada pelo policial Penal Luiz Otávio Natalino, também alvo da Ragnatela. Inicialmente, o combinado era para que Luiz levasse celulares até os presídios, para facilitar a comunicação entre os membros do CV que estão presos com os que estão em liberdade.
Contudo, posteriormente, foi o próprio policial penal quem sugeriu a ‘permuta’ de unidades prisionais de R$ 20 mil por cabeça. A negociação envolvia ao menos cinco presos, totalizando R$ 100 mil.
“A relação de confiança entre WILLIAN GORDÃO e LUIZ OTÁVIO fica forte ao ponto que o Policial Penal faz uma oferta diferente a GORDÃO. LUIZ OTAVIO oferece um novo esquema, agora para a transferência de presos da cúpula do Comando Vermelho da PCE para o Centro de Ressocialização de Cuiabá, antigo Carumbé”, traz trecho do inquérito.
Luiz conta a Gordão que possui um esquema com Winkler de Freitas Teles, que era diretor do presídio Carumbé à época dos fatos. No entanto, o policial advertiu que a ‘oferta’ não era válida para presos de maior periculosidade, como o líder da facção criminosa no Estado, Sandro Rabelo, o ‘Sandro Louco’, que à ocasião estava preso no raio 8 da PCE, considerado de segurança máxima.
Na sequência, Luiz explica como o esquema iria funcionar. Segundo ele, os valores deveriam ser entregues ao segurança do secretário, fazendo menção ao ex-secretário de Segurança Pública, Alexandre Bustamante.
Ao aceitar a proposta, Gordão aponta os nomes dos beneficiados, entre eles Paulo Witer Farias Paelo, o ‘WT’, que é Willian, Jonas Gonçalves Junior, vulgo Batman e Fábio Aparecido Marques do Nascimento, vulgo Lacoste, Aurélino Gomes da Silva Bisneto, vulgo Lerino e Luenio Cesar Rondon Rocha, vulgo Bicudo.
“No diálogo, o LUIZ OTAVIO vulgo AG intermedia a movimentação de cinco detentos da Penitenciária Central do Estado (PCE) para o presídio do CARUMBÉ (CRC) por um valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Conforme Pedido de Permuta de 12 de junho de 2020 enviado por INCRA CRC a LUIZ OTAVIO, verifica-se a solicitação de transferência de cinco internos da PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO (PCE) para o CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO CUIABÁ (CARUMBÉ) ao secretário ALEXADRE BUSTAMANTE.
Os interlocutores mencionam também a participação “DO SECRETÁRIO” e de indivíduo identificado por “SALES” no esquema”, diz outro trecho do processo.
Conforme as orientações de Luiz Otávio, o valor deveria ser entregue ao segurança do ex-secretário ou para a esposa dele no estacionamento do supermercado Big Lar.
Confirmando a negociação, Luiz Otávio encaminhou a Gordão capturas de conversas com Winkler, em que comprova a negociação, valores e possibilidade real de concretizar as transferências.
Em outro print, é possível ver um ofício encaminhado por Winkler para Bustamante, solicitando a transferência dos detentos. Em outra imagem, o ex-secretário de Segurança Pública dá parecer positivo para o recambiamento que deveria ocorrer entre 16 de junho de 2020 até 3 de julho do mesmo ano. Todavia, a tentativa foi frustrada e os presidiários não mudaram de unidade prisional.
RAGNATELA
A investigação da Ficco identificou que uma das lideranças do Comando Vermelho, o faccionado Joadir Alves Gonçalves, o ‘Jogador’, adquiriu uma casa noturna em Cuiabá pelo valor de R$ 800 mil, pago em espécie, com o lucro auferido por meio de atividades ilícitas.A partir de então, o grupo passou a realizar shows de MCs nacionalmente conhecidos, custeado pela facção criminosa em conjunto com um grupo de promotores de eventos.
Durante as investigações, também foi identificado que os criminosos contavam com o apoio de agentes públicos responsáveis pela fiscalização e concessão de licenças para a realização dos shows, sem a documentação necessária.
Além do membro da facção criminosa, a Ragnatela também mirou o vereador Paulo Henrique, o promoter de eventos Rodrigo Legal, o policial penal Luiz Otávio Natalino e o DJ Everton Detona. Ao todo, 24 pessoas são investigadas. Dessas, sete estão presas por envolvimento na organização criminosa e uma está foragida. Foram expedidos 36 mandados de busca e apreensão, nove sequestros de bens imóveis e 13 de veículos; e ainda duas ordens de afastamento de cargos públicos (policial penal e fiscal da prefeitura), quatro suspensões de atividades (casa de shows) e bloqueios de contas bancárias.
OUTRO LADO
Em nota, a Sesp informou que está acompanhando os desdobramentos da ação policial para implementar as medidas administrativas cabíveis.
“A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) acompanha o andamento da Operação Ragnatela e pode implementar medidas administrativas, caso sejam necessárias. Esclarece ainda que o servidor Winkler de Freitas Teles não foi alvo de medida cautelar no âmbito da Operação. Quanto ao servidor Luiz Otávio Natalino, ele já foi afastado de suas funções. A Sesp ressalta que todas as medidas legais serão adotadas no âmbito administrativo”, diz o pronunciamento.
Procurado pela reportagem, o ex-secretário de Segurança Pública, Alexandre Bustamante, não respondeu à solicitação. O espaço segue aberto.